Polícia Civil investiga esquema de fraudes em São Gonçalo
Priscilla Costa 26/04/2010
Segundo as investigações, clínica simulava atendimentos fantasmas pelo Sistema Único de Saúde, falsificava assinaturas de médicos e também desviava dinheiro de reembolso
A Polícia Civil deflagrou uma operação na manhã desta segunda-feira para desbaratar suposto esquema de fraudes contra o Sistema Único de Saúde (SUS) em São Gonçalo. Munidos de cinco mandados de busca e apreensão, os agentes apreenderam documentos na sede da Secretaria Municipal de Saúde, em três clinicas médicas e num centro de exames laboratoriais. O delegado titular da 72ª DP (Mutuá), Adilson Palácio, responsável pela investigação, disse que ex-secretários e integrantes do primeiro escalão do governo, além de vereadores, seriam suspeitos de participação no esquema, que teria desviado cerca de R$ 200 milhões dos cofres públicos nos últimos seis anos. A ação, batizada como “Operação Panaceia” (do grego: remédio para todos os males), é resultado de inquérito instaurado há quatro anos pelo Ministério Público Estadual (MPE) e contou com apoio de agentes da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core). Os responsáveis pelo esquema, segundo o delegado, já teriam sido identificados e terão a prisão pedida ainda esta semana.
De acordo com as investigações, as clínicas acusadas forjavam atendimentos pelo SUS para pacientes fantasmas e solicitavam o reembolso à Prefeitura, que repassava para a verba do Ministério da Saúde.
“Precisamos saber agora se repassavam o montante para as clínicas por incompetência, omissão ou participação na fraude”, ironizou o delegado.
Os policiais cumpriram mandado de busca e apreensão, expedido pela juíza Maria Aparecida da Costa Bastos, da 2ª Vara Criminal de São Gonçalo, na Secretaria Municipal de Saúde, acompanhadados por um dos procuradores do município e pelo assessor de imprensa da pasta. O secretário de Saúde, Daniel da Silva Junior, não compareceu ao local.
O alvo das buscas foi o setor de faturamento da Secretaria. Os policiais procuraram a listagem com nomes e valores reembolsados às quatro clínicas acusadas. Todos os documentos do setor foram apreendidos e levados para a delegacia. O conteúdo deve ser analisado pelo MPE e por agentes da 72ª DP.
Enquanto isso, pacientes continuam sem remédios
Enquanto a polícia investiga o suposto desvio de R$ 200 milhões no SUS, a população sofre com a deficiência na distribuição de medicamentos. No momento em que os agentes faziam as buscas na Secretaria Municipal, a dona de casa Sebastiana Souza André dos Santos, de 40 anos, que tinha ido ao local em busca de medicamentos para o filho que sofre de paralisia cerebral, se desesperou ao receber a notícia que não tinha o remédio em estoque. Mesmo com uma Ordem Judicial para receber os remédios da Secretaria, ela deixou o local com apenas uma das oitos caixas que precisava do remédio Depakoter.
“É sempre a mesma coisa, nunca tem o medicamento necessário. Eu e o restante das pessoas mais carentes é que pagam pela roubalheira”, reclamou.
A Prefeitura de São Gonçalo, através da Secretaria de Saúde, declarou que enquanto durarem as investigações policiais, não vão se pronunciar sobre a operação. A Prefeitura, no entanto, anunciou a criação de uma comissão interna para apurar envolvimento de funcionários da pasta no esquema fraudulento do SUS.
Quanto à falta de medicamento, a secretaria informou que o remédio citado é da grade federal, não sendo atribuição do município, mas pelo fato da mãe do paciente possuir a Ordem Judicial, a distribuição é feita em São Gonçalo.
Guias falsificadas encontradas em clínica no Barro VermelhoNa Clínica Médica e Odontológica Barro Vermelho, na Rua 1º de Maio, 279, bairro Barro Vermelho, os policiais arrombaram com os pés as portas das 14 salas. Eles recolheram guias de atendimentos médicos e odontológicos falsos, conhecidos como “bagaços”. Segundo o delegado Adilson Palácio, 95% dos documentos que estavam no local seriam fraudulentos. Num único mês, mais de três mil atendimentos teriam sido forjados, segundo a polícia.Em muitas solicitações de exames ambulatorias, os responsáveis teriam falsificado assinatura, carimbo e registro do Conselho Regional de Medicina (CRM). Dados como nomes, endereços, e doenças seriam preenchidos de forma ilegível.
“A falsificação era grosseira, na medida em que não era possível ler o nome, ou o diagnóstico do paciente. As investigações apontam que mensalmente as clínicas faturavam de R$ 60 mil a R$ 120 mil de reembolso”, informou Palácio.
Ainda de acordo com a polícia, todas as unidades médicas seriam do mesmo grupo de empresários.
“Seriam entre 8 e 10 pessoas. Em sua maioria, políticos, ocupantes e ex-ocupantes de cargos públicos do município, que estão sendo investigados. Foram mais de 10 malotes e 30 caixas de documentos apreendidos. Precisamos agora analisar e reunir todas as provas para sustentar a acusação.”
Na Clínica Barro Vermelho, os agentes também ficaram chocados com o abandono da unidade. As quatorze salas de atendimento estavam com traças e poeira, em condições insalubres. Quatro funcionários do estabelecimento foram levados à delegacia, para prestar esclarecimentos, mas acabaram sendo liberados em seguida.
O advogado da clínica, Marco Antônio da Silva, alegou que desconhecia a existência de um grupo que seria proprietário das clínicas. Ele disse que na semana passada seus clientes foram intimados e comparecer à 72ª DP. “Desconheço os fundamentos desta operação já que meus clientes nunca deixaram de colaborar com o inquérito”, disse o advogado.
No laboratório Martini, na Rua Salvatori, 15, Centro da cidade, cinco pacientes e quatro funcionários presenciaram a ação da polícia. Os outros dois pontos da operação foram, na Rua Abílio José de Mattos, no Porto da Pedra, e outra no Jardim Alcântara. Os proprietários são acusados de fraudarem as guias de atendimentos e receberem ilicitamente o reembolso do SUS.
Câmara quer abrir CPI
A investigação da emissão de falsos comprovantes de atendimentos com o objetivo de fraudar o Sistema Único de Saúde (SUS) pode resultar na instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). O vereador Ricardo Pericar (PDT) encaminha hoje o pedido de CPI para a Mesa Diretora da Câmara.
“Os fatos são graves e terão que ser apurados com o máximo de rigor. Não cabe mais este tipo de clientelismo na cidade”, afirmou Pericar, que também suspeita da cobrança de consultas e procedimentos aos pacientes do SUS.
Segundo dados apresentados pelo vereador, os gastos com hospitais credenciados no ano passado chegaram a R$ 33.643.543,31.
Em novembro, O FLUMINENSE mostrou o drama da aposentada Janir Paiva de Oliveira, de 68 anos, que chegou apresentar queixas na 74ª DP (Alcântara) por considerar abusiva a cobrança de R$ 50 pela consulta para o irmão, Jean Paiva Brandão, de 75, com problemas na próstata.
O caso se arrastou por mais algumas semanas e, em dezembro, Jean foi operado num hospital em Campos. A Secretaria de Saúde informou, na época, através da assessoria de imprensa, que não sabia das supostas irregularidades e que iria averiguá-las.
O vereador lembra a lei de sua autoria, que obriga os hospitais conveniados a exibirem placas informando o convênio, que serviria para inibir fraudes, não está sendo cumprida. Ele promete ainda encaminhar o caso ao Ministério Público Federal (MPF).
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente!